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Janeiro / Junho Ano III, Nº.1, 2007 ::
AGRICULTURA MODERNA E NOVOS ESPAÇOS
URBANOS NO CERRADO BRASILEIRO
ISSN
1980-4490
Júlia Adão Bernardes*
RESUMO
Na contemporaneidade a ciência, a tecnologia e a
informação constituem a base da expansão
da agricultura moderna no cerrado brasileiro, implicando em repercussões
na organização territorial das atividades agrícolas
e urbanas, com conseqüências na divisão social
e territorial do trabalho.
Os recentes processos que se desenvolvem nesses espaços
apontam para a necessidade de se aprofundar o conhecimento dessa
nova realidade rural e urbana. Estamos falando de áreas
que se integram a redes nacionais e globais de circulação,
de lugares que se articulam diretamente à rede econômica
e técnica mundial.
No cerrado brasileiro agricultura, urbanização
e modernização se manifestam articulados, surgindo
ou transformando-se o urbano em função das ações
das empresas agrícolas, das características técnicas
e sociais, hierarquizando os lugares.
As novas formas urbanas que surgem a partir de atividades
agrícolas altamente tecnificadas são dotadas de
novas funções, constituídas pela implantação
de serviços destinados a atender às necessidades
da produção, comercialização e circulação,
bem como ao sistema de comunicações e fluxos de
informações, que possibilitam redução
do tempo e redefinem a espacialidade dos circuitos de produção,
permitindo que a região possa acompanhar a velocidade das
mudanças e incorporar os elementos que facilitam sua competitividade
no mercado internacional.
A metodologia proposta consiste em analisar os processos
que possibilitam a mudança do universal em singular e que
viabilizam as estruturas que se concretizam em formas espaciais
particulares rurais e urbanas, dotadas de funções
também particulares, que refletem a divisão social
e técnica do trabalho, a qual pode ser traduzida em uma
divisão técnica e social do espaço. Portanto,
as categorias processo, forma, função e estrutura
possibilitam uma interpretação do espaço
não apenas em si, mas definindo a totalidade concreta,
que se encontra em permanente mudança (Santos, 1985).
Tais estruturações na fronteira de expansão
da agricultura moderna
em Mato Grosso atendem à nova dinâmica de acumulação
capitalista. O conhecimento em relação ao desenvolvimento
da agricultura moderna e de suas necessidades em termos de novos
territórios urbanos vincula-se a um conjunto de saberes
espaciais que envolvem diferentes áreas do conhecimento,
onde se destaca a contribuição do enfoque geográfico.
Palavras chave: agricultura moderna; espaços urbanos; cerrado brasileiro; características
técnicas; características sociais
INTRODUÇÃO
O uso do espaço requer previamente sua apropriação
e domínio sistemático, domínio sobre a natureza
e os homens, e cada modelo de apropriação reflete
um modo de produção que traz implícito um
nível de relações sociais de produção.
Tornar um espaço funcional passa pelas adequações
à sua nova função, o que constituirá
uma nova forma de produção desse espaço (Sánchez,
1990), significando que o modo de produção deverá
moldá-lo conforme seus interesses.
Tal percepção indica que a problemática
espacial deve ser enfocada como uma totalidade concreta que pode
ser percebida em suas múltiplas dimensões. Assim,
as práticas econômicas, no que se referere à
agricultura moderna, que modificam o espaço físico
na condição de valor de troca, gerando uma dinâmica
de mercado em torno do próprio espaço, necessitam
da criação de espaços urbanos adequados ao
ambiente circundante e às necessidades sociais.
Na sociedade capitalista contemporânea, que é
uma sociedade estratificada, essa transformação
se dá no contexto dos interesses dos grupos sociais hegemônicos
que dirigem uma forma de produção fundamentada no
progresso científico e tecnológico. Assim sendo,
tanto o sistema produtivo instituído, como a tecnologia
e as adaptações sócio-espaciais são
orientadas para responder aos fins da acumulação.
O objetivo
desta reflexão introdutória é mostrar o caminho
contemplado neste trabalho, que tenta responder à seguinte
questão: de que novos arranjos espaciais urbanos a produção
de soja no cerrado necessita para garantir o processo de acumulação
capitalista?
1.
Cerrado brasileiro: uma nova
fronteira do capital
Num primeiro momento nossa preocupação
é entender o sentido da expansão da fronteira do
capital no cerrado a partir dos anos 70, porém não
da forma concebida por Türner, de espaços “vazios”,
“livres”, que define fronteira em termos de movimento
expansivo da sociedade em contraposição ao caráter
estático da fronteira natural (Knauss, 2004), valorizando
o estágio da sociedade, contrapondo mundo selvagem e mundo
civilizado ao ressaltar que “a fronteira é o pico
da crista de uma onda – o ponto de contato entre o mundo
selvagem e a civilização” (Türner, 1893:24).
O significado da fronteira no centro-oeste nesta fase
histórica se aproxima do sentido atribuído por Martins,
que a caracteriza como uma nova racionalidade econômica,
pela constituição formal e institucional de novas
mediações políticas, pela criação
do novo vinculado à expansão dos mercados, induzindo
à modernização e novas concepções
de vida (Martins, 1996). Também se aproxima do enfoque
dado por Machado, ao assinalar o desencontro de temporalidades
históricas e reprodução da mesma estrutura
econômica socialmente injusta responsável pela organização
do conjunto do território brasileiro (Machado, 1992).
Como adverte a autora, a expansão da fronteira
agrícola se realiza em um contexto urbano, contribuindo
para o processo de urbanização o fluxo imigratório
contínuo dos "sem terra", dos subempregados e
desempregados rurais ou urbanos, a necessidade de criação
de reserva de mão de obra, a concentração
fundiária e o elevado preço da terra, resultando
em um processo de reordenamento do território.
É oportuno destacar que as formas capitalistas
de produção, considerando-se as atividades agrícolas,
necessitam de mão de obra disponível para a
realização de determinados trabalhos e em certas
fases do ano, mas somente o espaço urbano é capaz
de abrigar uma massa de trabalhadores em espaços privatizados,
uma vez que são os únicos espaços possíveis
de serem socializados (Machado,1992).
Na história da fronteira deve-se levar em conta
não apenas o movimento de continuidade, mas as descontinuidades,
é preciso perceber as quebras, as rupturas, é importante
averiguar o que num determinado momento fez mudar o rumo, instituindo
uma nova fronteira. Em cada época a regularidade precisa
ser explicada e o peso das heranças, como também
o da novidade, que é a essência da história.
É nesse contexto que tentamos explicitar qual a novidade
que levou a uma quebra da continuidade da realidade econômica
no cerrado brasileiro após 1970, como e por quê o
rumo do cerrado se torceu. Ou seja, como a fronteira de expansão
da agricultura moderna se instala e se expande no cerrado mato-grossense,
imprimindo substituições nas formas espaciais herdadas
do período anterior aos anos 70.
A produção do espaço
no cerrado do Brasil Central nos anos 70, com o objetivo de incentivar
a exportação de produtos não tradicionais,
se alicerçou numa solidariedade de interesses, aglutinando
interesses estatais, de setores nacionais e da grande empresa
internacional, permitindo a criação de uma nova
base material produtiva. Nessa fase o governo colocou em prática
a política de ocupação de espaços
“vazios”, concedendo estímulos às empresas
agropecuárias através da concessão de isenção
de impostos e subsídios governamentais, desencadeando uma
política que visava o aumento da produção
e da produtividade e que se vinculava ao Programa de Corredores
de Exportação.
Ao elaborar políticas
para a incorporação dos cerrados ao processo produtivo,
o Estado assumia a condição de indutor do desenvolvimento
capitalista, desenvolvendo ações diretas para a
ocupação do território, a exemplo da abertura
das grandes vias. A terra barata facilitou os investimentos, os
incentivos da SUDAM e as linhas especiais de crédito atraíram
os investidores, principalmente do sul do Brasil.
A implementação das novas políticas governamentais no
cerrado só foi possível a partir do desmonte de
um Estado que atuava com parâmetros nacionais, sendo necessário
também remover os obstáculos que dificultavam a
presença de interesses da economia global, procurando tornar
o território mais atraente em suas vantagens comparativas.
Por isso, foi preciso aprofundar o processo de liberalização
da economia, eliminando as ineficiências decorrentes do
peso excessivo do Estado e passar à lógica modernizante
do mercado e da competitividade internacional, privatizando empresas,
abrindo novas atividades para o mercado mundial, redefinindo-se
o ambiente macroeconômico.
É interessante notar que o próprio governo
federal, no período autoritário, realizou o desmonte
do Estado, implementando medidas com certa facilidade, com certo
apoio da opinião pública, influenciada pelos meios
de informação dominantes. No caso de investimentos
de capitais produtivos, foram concedidas isenções
fiscais a setores que não estabeleceram compromissos com
o país. Tudo isso aumentou as distâncias sócio-econômicas
entre regiões e entre áreas no interior das regiões.
Os investidores aproveitaram
as condições naturais favoráveis que o cerrado
apresentava para o cultivo de commodities como a soja, a exemplo
da temperatura, da distribuição das chuvas, da luminosidade
e principalmente da topografia, apresentando imensas áreas
planas e contínuas que favoreciam economias de escala.
Tais condições naturais representavam vantagens
competitivas a nível do mercado internacional, uma vez
que a ciência e a tecnologia já se encontravam à
disposição no país, especialmente a pesquisa
de sementes melhoradas adaptadas ao cerrado. Portanto, um dos
significados da nova organização desse território
é que a ciência, a técnica e o planejamento
constituíram instrumentos bastante eficazes para
o controle da natureza e da sociedade.
Nesse contexto, a
produção de soja se desloca dos estados do sul do
país em direção ao cerrado, num primeiro
momento para o centro-oeste e Minas Gerais, mais tarde para a
Bahia, Tocantins, Maranhão e Piauí, entre outros.
Até 1990 os estados do sul detinham os maiores índices
de produção do país, liderados pelo Rio Grande
do Sul e Paraná. A partir dos anos 90 o centro-oeste passa
a se destacar e, já no final da década, Mato Grosso
lidera a produção do país, seguido pelo Paraná
e Rio Grande do Sul.
Figura I: Evolução dos principais estados produtores
de soja: 1985/2005

Fonte: Sidra / IBGE
Na figura I, que
mostra a evolução dos principais produtores de soja
no Brasil entre 1985 e 2005, pode-se observar o contínuo
crescimento de Mato Grosso no período, ultrapassando o
Paraná nos anos 90, enquanto o Rio Grande do Sul vai perdendo
posição, coincidindo sua recuperação
com a fase de introdução das sementes transgênicas. Na safra 2005/06 pode-se observar
o elevado nível de produção de Mato Grosso
em relação aos demais produtores, em torno de 17.761.444
toneladas de soja, ao passo que o Paraná, o segundo colocado,
produziu 9.492.153 toneladas, vindo em terceiro lugar Goiás,
com 6.983.860 toneladas.
Na figura II pode-se notar o rápido crescimento
da Bahia nos anos 90 e, a níveis mais modestos, o do Maranhão,
com incremento mais acentuado a partir de 1995, seguido a certa
distância pelos estados de Tocantins e Piauí. No
qüinqüênio 2000/2005 a produção
da Bahia se intensifica, alcançando na safra 2005/06 um
total de 2.401.872 toneladas.
Em 2005 a área produtora tradicional, constituída
pelo Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo
e Santa Catarina, produziu 14.247.766 toneladas de soja, enquanto
os principais estados produtores do cerrado do centro-oeste, incluindo
Minas Gerais, do norte e do nordeste alcançaram 36.264.715
toneladas, significando que a fronteira de expansão da
soja no cerrado superou em 154,53 % a produção da
área tradicional. Cabe lembrar que as condições
do mercado externo respondem em parte por esse dinamismo.
Figura II: Evolução da produção
de soja nos principais estados produtores do Nordeste e Norte

Fonte: Sidra / IBGE
Um dos aspectos fundamentais na compreensão da
expansão da fronteira do capital no atual tempo histórico
é o reconhecimento da importância da formação
de um novo mercado de trabalho. Nesse período, o desencontro
dos tempos históricos põe em conflito populações
locais, povoados pobres, antigos posseiros e grandes grupos econômicos,
desenvolvendo-se mecanismos de vendas das terras e deslocamento
em direção aos centros urbanos ou em busca de terras
livres mais adiante. Nessa fase vai se formando um novo
mercado de trabalho, ao mesmo tempo em que grileiros, especuladores,
grandes proprietários e empresas vão organizando
o espaço da produção agrícola moderna.
Os dados do quadro I mostram o crescimento populacional dos principais estados
do Centro-Oeste Resumido. Entre 1970 e 2005 o conjunto acusa um
crescimento da ordem de 166,43%, destacando-se Mato Grosso com
uma variação total de 368,09 %. Cabe ressaltar as
aceleradas taxas de crescimento da população de
Mato Grosso na década de 70, situadas em torno de 6,6%
ao ano, passando a 5,4% nos anos 80 e a 2,4% entre 1991 e 2000,
taxas superiores às dos demais estados. Nesse conjunto
é o setor urbano o grande receptor desses incrementos,
cujos valores em Mato Grosso alcançam níveis
um pouco inferiores aos demais estados, embora sempre crescentes,
em torno de 38,8% em 1970, de 57,7% em 1980 e de 73,0% em 1991,
atingindo 79,4% em 2000.
Quadro I: População Total e Variação segundo
Unidades da Federação - Centro-Oeste Resumido. 1970,
1980, 1991, 2000 e 2005 |
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U.F. |
1970 |
1981 |
1991 |
2000 |
2005 (P) |
Variação 70/05 |
Goiás |
2.414.325 |
3.125.354 |
4.012.526 |
4.994.897 |
5.619.917 |
132,77 |
Mato Grosso |
598.879 |
1.134.230 |
2.022.524 |
2.498.150 |
2.803.274 |
368,09 |
Mato Grosso do Sul |
998.211 |
1.393.019 |
1.778.741 |
2.075.275 |
2.264.468 |
126,85 |
Total |
4.011.415 |
5.625.603 |
7.813.827 |
9.568.322 |
10.687.659 |
166,43 |
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Fonte: IBGE, Censos demográficos de 1970, 1981,
1991, 2000 e previsão 2005
O quadro II revela a participação dos volumes migratórios
no crescimento total da população, recebendo a região
centro-oeste entre 1970 e 2000 um contingente aproximado de 3.433.762
imigrantes, com maior nível de concentração
nos anos 80, acolhendo Mato Grosso os contingentes mais expressivos
nessa década, correspondendo a um total de 541.743 imigrantes.
Entretanto, no período 1970/2000, o estado Goiás
se destaca na região como o maior receptor de imigrantes,
recebendo 1.491.948 pessoas, situando-se os maiores volumes na
década de 90.
Quadro
II: Volumes de Migração segundo Unidades do Centro-Oeste
Resumido 1970, 1980, 1991, 2000 |
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U. F. |
70/80 |
80/91 |
91/00 |
Total |
Goiás |
308.196 |
518.147 |
665.605 |
1.491.948 |
Mato Grosso |
325.804 |
541.743 |
326.247 |
1.193.794 |
Mato Grosso do Sul |
291.766 |
262.615 |
193.639 |
748.020 |
Total |
925.766 |
1.322.505 |
1.185.491 |
3.433.762 |
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Fonte: Adaptado de Cunha 2002
O
Quadro III indica a procedência dos imigrantes de Mato Grosso
no período, vindo os maiores contingentes do Paraná,
correspondendo a 34,5% na década de 70, a 30,4%
nos anos 80 e alcançando 33,2% entre 1991 e 2000. Por outro
lado, na década de 90 é particularmente significativa
a participação dos imigrantes oriundos de Mato Grosso
do Sul (24,9%), de Goiás (23,6%), de Rondônia (22,1%),
de São Paulo ( 22,0 %) e do Rio Grande do Sul/Santa Catarina
(18,1%).
Quadro III: Origens dos Imigrantes
de Mato Grosso: 70/80, 81/91, 91/96 e 96/00 (%) |
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U. F. |
70/80 |
81/91 |
91/96 |
96/00 |
PR |
34,5 |
30,4 |
17,3 |
15,9 |
GO |
13,2 |
9,4 |
13,2 |
10,4 |
SP |
12,8 |
11,8 |
10,7 |
11,3 |
MS |
10,8 |
12,6 |
12,8 |
12,1 |
MG |
9,7 |
4,5 |
4,3 |
3,7 |
RS/SC |
7,9 |
9,9 |
8,4 |
9,7 |
NE |
5,0 |
9,4 |
13,1 |
8,6 |
RO |
1,1 |
5,6 |
10,4 |
11,7 |
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Fonte: Adaptado de Cunha 2002 e Censo Demográfico
2000.
A tendência migratória
que se instala, nesse cenário, ao mesmo tempo que recebe
novos contingentes imigratórios de outros estados, vai
deslocando determinados grupos sociais para além da fronteira
ocupada. O mercado de trabalho que se constitui, portanto, é
o que dá sentido ao novo processo de ocupação
do território, exigindo certa mão-de-obra especializada,
mais familiarizada com as novas técnicas, além de
certa quantidade de mão-de-obra não qualificada,
mais sujeita à migração. Assim, o trabalho
passa a ser formado por uma diversidade de grupos sociais e de
relações sociais específicas.
Neste item,
trabalhamos a noção de fronteira no cerrado no âmbito
de novos contextos e interesses, buscando perceber como seu movimento
foi mudando. A seguir procuraremos perceber como o espaço/fronteira
mato-grossense vem sendo produzido no contexto do meio técnico-científico-informacional.
2. Padrões tecnológicos
e novos ordenamentos territoriais na fronteira mato-grossense
No bojo das grandes transformações gestadas
na economia mundial, a modernização e a reestruturação
do espaço traduzem os impactos da revolução
científico-tecnológica informacional. Portanto,
o espaço se organiza através de uma produção
calcada no conhecimento e na informação, que constituem
a base da maior produtividade da nova acumulação.
Um dos traços característicos da contemporaneidade
é que a ciência, a tecnologia e a informação
constituem a base da produção do espaço e
da sociedade, passando os lugares a diferenciar-se por sua diferente
capacidade de oferecer rentabilidade às inversões
em função de condições de ordem técnica
e organizacional. Mudam as vantagens comparativas naturais,
substituídas pelas vantagens comparativas artificiais,
a aceleração da competição entre lugares
resulta no envelhecimento rápido dos lugares e do patrimônio
técnico. Imensas áreas são descaracterizadas
a fim de exercer uma função que lhes foi atribuída
por uma nova ordem fundada na acumulação de capital.
Nesse contexto emerge a importância do estudo e
do conhecimento do território. Mato Grosso, hoje domínio
de produções agrícolas modernas, de complexos
agroindustriais, de redes técnicas, de fluxos de circulação
de capital, transporte, mão-de-obra, de relações
sociais densas, de vínculos com o comércio internacional,
cresce e se expande, estando o funcionamento dessa sociedade vinculado
aos arranjos territoriais derivados de determinados mecanismos
de ordenamento.
Em seu crescimento e expansão se identifica cada
vez mais com o comércio internacional, conhecendo mudanças
que resultam de relações internas e externas cada
vez mais complexas e que necessitam da regulação
do Estado. A fluidez e a velocidade decorrentes das técnicas
da informação, que articulam as demais técnicas,
produzem lugares novos, com novos conteúdos. Entretanto,
o território também pode ser definido nas suas desigualdades,
em função da seletividade dos lugares.
É nesse contexto de reestruturação
geral do sistema capitalista e de emergência de novos padrões
tecnológicos que podemos compreender a reordenação
do espaço produtivo que vem se configurando no cerrado
de Mato Grosso, impulsionado pela dinâmica de reprodução
do capital e, a partir deste, apreender a nova organização
da sociedade e as novas relações emergentes.
Nesse movimento do capital, a produção da
commodity soja vai avançando, alcançando
os mais elevados patamares de produção e produtividade.
Em apenas uma década, ou seja, entre 1995 e 2005, a produção do estado cresceu em torno de 223%,
o que correspondeu a um aumento de 161% em área, valores
que confirmam a contínua expansão dessa fronteira
do capital, que atualmente ocupa a posição
de maior produtora nacional da commodity soja, produzindo 17.761.444
toneladas e ocupando 6.106.654 hectares em 2005, participando
com 34,70% da produção nacional e com 26,61% da
área, contribuindo significativamente no conjunto das exportações
nacionais de soja e derivados.
Quadro IV Municípios maiores produtores de
soja – MT – 2005 |
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Brasil e Município
Sorriso |
Área colhida (Hectare) |
Quantidade produzida (Ton) |
Rendimento (kg/ha) |
578.356 |
1.804.669 |
3.120 |
Sapezal |
376.577 |
1.166.679 |
3.098 |
Campo Novo do Parecis |
343.301 |
1.071.099 |
3.120 |
Nova Mutum |
333.780 |
1.068.156 |
3.200 |
Diamantino |
300.000 |
918.000 |
3.060 |
Lucas do Rio Verde |
221.906 |
744.436 |
3.355 |
Primavera do Leste |
277.389 |
684.558 |
2.468 |
Campos de Júlio |
214.915 |
627.767 |
2.921 |
Nova Ubiratã |
193.135 |
579.405 |
3.000 |
Brasnorte |
159.139 |
486.965 |
3.060 |
Total |
2.998.498 |
9.151.734 |
3.052 |
Brasil |
22.948.849 |
51.182.050 |
2.230 |
Mato Grosso |
6.106.654 |
17.761.444 |
2.909 |
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Fonte: IBGE, PAM – Produção
Agrícola Municipal
Cabe destacar no quadro IV a expressiva produção
de Sorriso em 2005, ao redor de 1.804.669 toneladas numa área
de 578.356 hectares, acompanhada de perto
por Sapezal, Campo Novo do Parecis, Nova Mutum e Diamantino, produzindo
cada município aproximadamente um milhão de toneladas
de soja, participando o conjunto dos 10 municípios maiores
produtores com 51,53% do total produzido em Mato Grosso. Situação
semelhante ocorre em termos de área colhida (49,10%), dando-se
a apropriação da terra de forma seletiva, descontínua,
numa forma de apropriação desigual que caracteriza
o capitalismo. Os municípios maiores produtores de soja
estão distribuídos ao longo dos principais corredores
de exportação, como o Noroeste, o Centro-Amazônico,
o Centro-Nordeste e o Sudeste.
No que se refere ao rendimento médio, deve-se registrar
índices em torno de 3.052 kg/ha nessa safra, reveladores
da tendência à aplicação de elevado
nível técnico no sistema produtivo. Em geral o modelo
de produção biológico no cerrado é
brasileiro e o padrão químico-mecânico é
americano e europeu, dominado pelas multinacionais através
de suas subsidiárias no país, embora sujeito a certas
adaptações, já que o sistema se adapta às
condições periféricas. O padrão biológico,
com adaptação mais problemática, possibilita
a participação dos atores locais através
das investigações das novas variedades adaptadas
às condições climáticas e de solo
de cada região do estado.
Deve-se destacar a presença das instituições
de pesquisa públicas e privadas, como a EMBRAPA e a Fundação
Mato Grosso, evidenciando, no caso desta última, a eficiência
da iniciativa privada, com capacidade de alto nível de
manipulação racional do meio ambiente. Percebe-se
com frequência que as práticas de significativa parcela
dos produtores mato-grossenses revelam visão empresarial,
estabelecendo um diferencial importante com outros estados grandes
produtores de soja, competindo no arranjo das forças econômicas,
na pesquisa, na logística e no âmbito político.
Do ponto de vista da técnica, pode se afirmar que a soja
produzida no cerrado de Mato Grosso compete no mesmo nível
de igualdade com o mercado mundial, o que amplia a inserção
do local no processo de globalização.
Nesse contexto, o mundo da produção está
sempre em vias de organização e desorganização,
devendo a realidade local ser vista num movimento conjunto, onde
várias lógicas e racionalidades se superpõem,
presididas pelo mercado, pelo poder público e pela própria
estrutura sócio-espacial (Santos,1996).
O uso de técnicas modernas constitui a base
da produção do espaço numa economia mundializada,
passando os diferentes tipos de espaço nessa fronteira
a diferenciar-se por sua capacidade de oferecer rentabilidade
às inversões em função de condições
de ordem técnica e organizacional. A fluidez e a velocidade
das técnicas da informação, que articulam
as demais técnicas, produzem lugares com novos conteúdos,
ocorrendo o processo de reestruturação com a participação
de ações políticas que contribuem para alterar
a dinâmica local/regional (Bernardes, 2005).
Um dos aspectos fundamentais na compreensão da
expansão da fronteira do capital no atual tempo histórico
é o reconhecimento da importância do trabalho, fortemente
associado ao processo migratório e ao modelo técnico
produtivo.
No quadro V pode-se observar que os municípios
maiores produtores de soja, apesar de desenvolverem atividades
agrícolas altamente tecnificadas, apresentam contingentes
populacionais bastante modestos em 2005. Á exceção
de Primavera do Leste, com 56.982 pessoas e de Sorriso com 48.326,
os demais municípios se situam a níveis inferiores
a 27.000 habitantes, detendo Campos de Júlio e Nova Ubiratã
valores inexpressivos, respectivamente 4.055 e 7.430 pessoas.
Entretanto, entre 2000 e 2005 ocorreu expressivo crescimento
demográfico em quase todos os municípios, fato associado
à expansão e intensificação das atividades
modernas, principalmente da soja, devendo-se destacar os aumentos
populacionais de Primavera do Leste, Campo Novo do Parecis, e
Lucas do Rio Verde, em torno de 42%, e de Sorriso, com 36%.
Considerando-se a população urbana, o Censo
Demográfico de 2000 evidencia predomínio da mesma
em todos os municípios analisados, que apresentam níveis
superiores a 70% do total, ultrapassando com freqüência
80% e até a 90%, a exemplo de Primavera do Leste (92%),
Sorriso (89%) e Lucas do Rio Verde e Campo Novo do Parecis, em
torno de 84%.
Deve-se assinalar que a urbanização do cerrado
corresponde às necessidades do modelo agrícola implantado,
constituindo cidades que surgem no âmbito de um conceito
de modernidade, porém com freqüência reproduzem
algumas características arcaicas, como o poder de mando
local, não na figura do coronel do interior, mas dos modernos
empresários que constroem essas cidades. Grande parte dessas
cidades foi criada a partir de processos de colonização
privada, adquirindo os empresários de São Paulo
e do sul do país glebas de terras para revenda, implantando
núcleos de assentamentos de colonos da região sul.
Quadro V: População em 2000 e 2005 e mercado de trabalho
em 2005 segundo os dez maiores produtores de soja em Mato Grosso |
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Municípios |
População |
Mercado de trabalho |
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2000 |
2005 |
Total |
Soja / Cereais |
Sorriso |
Total |
35.605 |
48.326 |
11.139 |
1.740 |
Urbana |
31.529 |
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Sapezal |
Total |
7.866 |
11.926 |
4.073 |
1.919 |
Urbana |
5.493 |
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Campo Novo do Parecis |
Total |
17.638 |
25.202 |
6.048 |
1.699 |
Urbana |
14.713 |
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Nova Mutum |
Total |
14.818 |
18.329 |
6.250 |
1.057 |
Urbana |
10.376 |
|
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Diamantino |
Total |
18.580 |
20.196 |
4.300 |
907 |
Urbana |
14.316 |
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Lucas do Rio Verde |
Total |
19.316 |
27.224 |
5.395 |
963 |
Urbana |
16.145 |
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Primavera do Leste |
Total |
39.857 |
56.982 |
8.674 |
1.404 |
Urbana |
36.539 |
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Campos de Júlio |
Total |
2.895 |
4.055 |
989 |
440 |
Urbana |
1.963 |
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Nova Ubiratã |
Total |
5.654 |
7.430 |
1.362 |
757 |
Urbana |
1.635 |
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Brasnorte |
Total |
9.815 |
12.060 |
1.577 |
395 |
Urbana |
6.260 |
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Fonte: IBGE, Censo Demográfico 2000 e Contagem 2005 e RAIS
2005
Num primeiro momento, a urbanização no cerrado
foi alimentada pelas pessoas que emigravam do rural, em virtude
da venda das terras e do processo de concentração
na década de 70, incrementando o movimento rural/urbano
e, num segundo momento, a partir de 1980, a mesma passa a ocorrer em função
da imigração de outros estados e do urbano/urbano.
A cidade passa a ter a função de retaguarda da produção
e da reprodução da força de trabalho rural
(Peixinho, 2006).
Nesse sentido, o modelo técnico produtivo adotado
no cultivo da soja no cerrado do mato-grossense brasileiro não
absorveu a mão de obra existente nas áreas urbanas
da região, tampouco a que se deslocou de áreas rurais.
Possivelmente isso explique o intenso processo de urbanização
que ocorre nos estados do Centro-Oeste, fazendo com que a região
apareça como a segunda mais urbanizada do país,
no Censo Demográfico de 2000, com 86,73% de população
urbana, somente ultrapassada pela região Sudeste, com 90,52%.
Assim, o grau de urbanização vinculado às
articulações cidade-campo depende das atividades
agrárias dominantes.
Cabe esclarecer que o novo produtor rural provém
de uma classe social diferente dos antigos produtores, classe
que vai constituir mercado para a diversificação
dos serviços e comércio urbano. Por outro lado,
o fato dos trabalhadores rurais viverem na cidade facilita a sua
inserção temporária no mercado de trabalho
urbano, passando a cidade a ter funções que se diferenciam
de períodos anteriores.
O quadro V aponta, ainda, alguns aspectos reveladores
das condições do mercado de trabalho nos dez municípios
maiores produtores de soja
em Mato Grosso, em 2005. Trata-se de trabalhadores com vínculo
empregatício, em sua maioria residentes nas cidades. Os
dados sobre o total de trabalhadores com carteira assinada no
conjunto dos setores da economia, contemplando a agropecuária,
o comércio, a indústria, os serviços e a
construção civil, revelam-se expressivos.
Convém ressaltar que Sorriso, o município
maior produtor de soja do estado e do país, embora apresentando
o maior número absoluto de trabalhadores com vínculo,
o mesmo corresponde a apenas 23% da sua população
total em 2005. Em Primavera do Leste, o total de empregados com
vínculo equivale a 15% da população municipal,
destacando-se Nova Mutum e Sapezal com valores em torno de 34%.
Em geral os demais municípios situam-se ao redor de 20%.
Quando se compara os trabalhadores do setor sojífero
com o conjunto dos empregados com vínculo, a situação
se agrava. No caso de Sorriso, o pessoal ocupado com a soja corresponde
a 16% do total de trabalhadores municipais, o mesmo ocorrendo
em Nova Mutum e Primavera do Leste. Em
Sapezal foram detectados os valores mais elevados (47%).
Nesse contexto o jogo está aberto, fenômenos
de abertura de novos espaços produtivos e de cooperação
podem ser identificados, vinculados a novos potenciais, assim
como fenômenos de fechamento de espaços tradicionais.
O que vale é a produção do território,
do espaço como trabalho morto e as ações
que o produzem.
1.
Agricultura, modernização e criação de novos espaços
urbanos
As reflexões sobre o urbano foram estimuladas por
sua irrupção vinculada à expansão
da agricultura moderna, que envolve o cultivo de soja, algodão,
milho, às vezes associado à cadeia carne/grãos.
Não se trata de pensar campo e cidade como realidades distintas
mas como sentido da racionalidade industrial do campo a montante
e a jusante. Mas ainda, trata-se, como nos faz perceber Lefebvre,
do processo de valorização das coisas, nas quais
incrustou-se a alma do capital, às custas da desvalorização
do homem (Lefebvre 1999: 9).
Como nos lembra o autor, a produção agrícola
perdeu toda a autonomia nos novos países industriais inseridos
na economia global, não representando mais um setor de
características distintas, convertendo-se “num setor
da produção industrial, subordinado aos seus imperativos,
submetido às suas exigências” (Lefebrve, 1999:
17). Essa nova realidade significa um processo espacial que se
difunde assumindo determinadas formas e que se modifica temporalmente,
uma vez que se insere em determinado contexto histórico.
Assim, ao considerar o processo de urbanização
contemporâneo vinculado à agricultura moderna do
cerrado, estamos tratando de centros que se articulam a redes
econômicas e técnicas nacionais e globais, como também
de áreas submetidas a um processo de re-hierarquização
em função da intensificação do processo
de urbanização, que passaram a adquirir novos ritmos
a partir de novos fluxos econômicos. Lefebvre coloca que
a problemática urbana se impõe na escala mundial,
significando o desaparecimento da oposição entre
cidade e campo, uma vez que todos os espaços se subordinam
aos centros urbanos (Lefebvre, 2002).
Nesse contexto, os projetos de modernização
concretizados pelas corporações e redes técnicas
no âmbito do estímulo à competitividade, nos
remetem à reflexão sobre o urbano que vai sendo
construído no contexto da agricultura moderna no cerrado,
proporcionando a refuncionalização dos centros urbanos
já existentes, bem como a criação de novos
núcleos.
Como assinala Corrêa (2000), os centros urbanos,
antes da atual modernização do campo, apresentavam
pequeno grau de articulação interna, o que se vinculava
a pequenas densidades demográficas e escasso desempenho
econômico, em função do baixo dinamismo das
áreas pastoris. A partir da introdução de
atividades modernas como a soja, tornam-se reflexo da modernização
do campo, condicionando sua reprodução, impondo
novos padrões de integração espaciais com
outros centros urbanos, viabilizados pelas redes técnicas,
estabelecendo fluxos a longa distância. Nesse sentido, a
problemática urbana atual no cerrado mato-grossense revela
uma aparência de “dualização”
em função de uma superposição da dinâmica
contemporânea a um tecido social formado no passado, o que
favorece o agravamento de uma situação de precariedade
econômica, social e espacial, em suas periferias.
É interessante observar que,
em Mato Grosso, as cidades surgem mais rapidamente em áreas
de expansão recente da agricultura moderna, sendo os distritos
desmembrados dos municípios de origem, grandes produtores
de soja. Portanto, o principal responsável pelo notável
crescimento das áreas urbanas em Mato Grosso e na região Centro-Oeste
vem sendo em grande parte o processo de produção
e expansão da fronteira dessa atividade, podendo-se afirmar
que esse é um fenômeno eminentemente urbano, significando
o desmembramento de municípios instrumentalização
da instância política na reestruturação
do território.
O espaço urbano estruturado pela agricultura moderna
está voltado para o fornecimento das condições
gerais exigidas por essa produção agrícola,
constituindo o suporte material onde se instalam as atividades
comerciais voltadas para a agricultura, tanto a montante quanto
a jusante, a exemplo das representações para a venda
de insumos e máquinas, de serviços indispensáveis
como consultorias, escritórios de planejamento, as redes
de informação, a sede do fornecimento de crédito,
assegurando as atividades de circulação, comercialização
e gestão, para que se possam realizar as atividades de
produção no campo. Na visão de Lefebvre (2002),
são cidades que constituem pontos de concentração
de mão-de-obra, energia, capitais, mercadorias, lugares
de interconexão e coordenação de fluxos,
proporcionando ganhos de aglomeração.
Em síntese, os processos vinculados à viabilização
do agronegócio globalizado, responsáveis pela dinâmica
de produção dos modernos espaços agrícolas
altamente tecnificados, necessitam de novos espaços urbanos,
com novas funções, associadas à gestão
das necessidades da produção, da comercialização
e da circulação, assim como dos sistemas de comunicação
e fluxos de informações que possibilitam a redução
do tempo e redefinem a espacialidade dos circuitos de produção,
permitindo que a região possa seguir a velocidade das mudanças
e incorporar os elementos que facilitam sua competitividade no
mercado internacional.
A cidade também constitui lócus de
cristalização de idéias, situações
e construção de um discurso novo, assumindo a presidência
do mundo rural, mundo que é extremamente vulnerável
ao grande capital, resultando no surgimento de distintas territorialidades
no interior desses urbanos. Como observam Santos e Silveira (2001:
209) “a cidade torna-se o lócus da regulação
do que se faz no campo. É ela que assegura a nova cooperação
imposta pela nova divisão do trabalho agrícola,
porque obrigada a se afeiçoar às exigências
do campo, respondendo às suas demandas cada vez mais prementes
e dando-lhe respostas cada vez mais imediatas”.
Em suma, os processos geradores de novas formas espaciais
urbanas, fundados em estratégias de ação
associadas à expansão da agricultura moderna, à
difusão do processo de industrialização vinculado
ao agronegócio, à criação de serviços
especializados e expansão comercial, à formação
de redes, significam transformações nas tradicionais
relações campo/cidade, resultando na intensificação
das desigualdades e conflitos sócio-espaciais. As
novas estruturas sócio-espaciais são reveladoras
de que não podemos ter um olhar homogêneo sobre a
urbanização desses espaços, porque esse fenômeno
implica numa expansão excludente, que se constrói
impossibilitando os espaços de pobres, controlando a presença
da mão-de-obra excedente, dos assentamentos dos pequenos
produtores, pois todas as terras devem estar disponíveis
para a agricultura moderna. Por vezes, nos mais recentes espaços
urbanos, evita-se a construção de praças
e calçadas, significando evitar os encontros, a festa,
o lazer, podendo ocorrer privatização do espaço
público, dificultando o direito de ir e vir. A formação
dos bairros, ruas, etc., revela os novos produtores estratificando-se
os espaços de acordo com as relações sociais
dominantes, produzindo um novo tecido urbano, o que se vincula
em parte ao preço do solo, sendo emblemáticas dessa
situação algumas cidades surgidas nos últimos
20 anos ao longo da BR-163, como Sorriso, Lucas do Rio Verde,
Sinop e Nova Mutum.
Como anuncia Weber, o modelo de desenvolvimento econômico
leva a extremos de progresso tecnológico e bem estar para
alguns setores e a extremos de privação e marginalização
social para outros, pois o objetivo é a própria
economia.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Trabalhar a noção de fronteira significou
discutir e reinterpretar o conceito, apreendendo seu movimento,
o que foi tentado neste trabalho, pensando-a a partir de um novo
olhar, inserida em um novo contexto, com base em novos interesses.
Assim, a nova fronteira estende-se através de novas relações
de mercado para além dos limites do território já
incorporado e consolidado, com apropriação das terras
para obtenção do maior lucro possível através
da utilização das técnicas mais inovadoras
com vistas ao mercado externo (Bernardes, 2005).
Nas áreas onde a agricultura moderna se expande,
onde se institui o meio técnico cientifico informacional,
vinculado a capitais industriais e financeiros, há necessidade
de criação de espaços urbanos indispensáveis
à gestão dos modernos processos agrícolas,
dotados de formas, funções e estruturas vinculadas
às trocas globalizadas, significando transformações
nas tradicionais relações cidade/campo
A estrutura interna dos espaços urbanos que emergem
nessa fronteira, reflete a divisão territorial do trabalho
a nível do setor, traduzindo-se a divisão social
e técnica do trabalho em uma divisão social e técnica
do espaço, agravando-se a contradição entre
o caráter socializado do espaço urbano e a apropriação
privada que dele se faz, resultando no surgimento de distintas
territorialidades no seu interior. Tais estruturações
atendem à nova dinâmica de acumulação
capitalista, assumindo a escala local significados mais amplos,
uma vez que é remetida a um conjunto de acontecimentos
que envolvem a escala global (Barbosa, 2002).
O novo urbano no cerrado mato-grossense se vincula ao
fechamento dos espaços rurais para o pequeno produtor e
às formas de desenvolvimento assentadas num modelo técnico
produtivo concentrador da propriedade e poupador de mão-de-obra.
Enfim, as novas territorialidades que surgem na fronteira
agrícola mato-grossense só podem ser compreendidas
no âmbito das práticas de certos segmentos sociais
que tentam impor sua lógica e domínio sobre o espaço,
práticas que estão associadas a reacomodações
no âmbito do sistema capitalista.
NOTAS:
* Professora da Universidade Federal
do Rio de Janeiro e Pesquisadora do CNPq
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na era da acumulação globalizada. In Território,
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